terça-feira, 18 de janeiro de 2011

E lá vem mais uma...

Hoje é 3a. feira, dia de uma nova história!
Gostou das duas primeiras? Então, faça seu comentário e recomende o nosso blog para os seus amigos.
Hoje, temos mais uma. Aproveite!!!
Esta é uma história popular da Holanda, cujo personagem principal é um espertalhão parecido com o nosso Pedro Malasarte.
Ao final, você pode encontrar o significado de algumas palavras ou expressões, tá?
Aí vai...

Tyl Uilenspiegel


Um dia, Til Uilenspiegel 1 chegou a uma cidade que era sede de uma universidade famosa. Tinha muita fome e era bastante preguiçoso. Portanto, pôs a inteligência a funcionar a fim de conseguir alimento e moradia, sem trabalhar para obtê-los.

Fez com que um dos arautos2 da cidade gritasse na praça do mercado que ele, Tyl Uilenspiegel, poderia ensinar um burro a ler e a falar em dois anos, se alguém lhe desse um burro e o alimentasse e abrigasse, bem como a ele próprio durante esses dois anos.

Ora, o reitor da universidade, que tinha ouvido falar de Tyl antes daquilo, e sabia ser ele um sujeito muito esperto, resolveu dar-lhe uma oportunidade de provar que era esperto até aquele ponto. Mandou chamá-lo, disse-lhe que escolhesse ele próprio um burro, e concordou em alimentá-lo e alojá-lo, bem como ao animal, durante os dois anos.

Tyl escolheu o burro mais velho que pode encontrar e colocou-o num estábulo próximo. No dia seguinte comprou uma gramática de tamanho bem grande e colocou alguns grãos de aveia entre as folhas, deixando o livro aberto na primeira página, perto do burro. O animal engoliu depressa a aveia e, sentindo, pelo faro, que havia mais, empurrou com o focinho a página seguinte, e a seguinte, e a seguinte, até ter lambido página por página, sem deixar um só grão. Todos os dias Tyl colocava a gramática com a aveia diante do burro, até que o animal aprendesse a virar as páginas com o focinho, muito habilmente.

Quando o reitor da universidade perguntou, algum tempo depois, como ia o burro com seus estudos, Tyl levou-o ao estábulo, onde colocou a gramática diante do animal. O burro começou, imediatamente, a virar as folhas, à procura da aveia.

- Como o senhor vê – disse Tyl – ele está lendo o livro, embora ainda não possa falar, a não ser as letras “a” e “e”.

Nesse momento, o burro, desapontado por não encontrar o seu alimento habitual, zurrou, melancolicamente: “EEEEEEAAAAAAA!”

O reitor deixou o estábulo quase convencido de que Tyl realmente estava ensinando o burro a falar.

Alguns dias depois o burro morreu de tão velho, o que, naturalmente, libertou Tyl do compromisso assumido.

Mudou-se ele, então, para outra cidade, mas, infelizmente, as coisas ali não lhe correram tão bem. O preguiçoso espertalhão de há muito não trabalhava, e suas roupas estavam tão desfiadas quanto o estômago estava desguarnecido. Assim, num dia de ventania, empregou-se como auxiliar de um padeiro. Pensava que trabalhando numa padaria pelo menos estaria aquecido, confortável, e teria bastante que comer.

Durante algum tempo seu patrão mostrou-se satisfeito com o trabalho dele, mas Tyl jamais podia conservar-se tranquilo por um prazo muito longo e depressa estava fazendo de novo suas trapaças.

Certa noite, o padeiro disse a Tyl que peneirasse um saco de farinha.

- Precisarei de uma vela para fazer esse trabalho, patrão – disse Tyl.

- Uma vela! - exclamou o padeiro, que era um grande avarento. - Ora, meu rapaz, bem podes peneirar a farinha à luz do luar.

- Está certo, patrão! - respondeu Tyl, com um brilho de malícia3 nos olhos.

Desceu à adega, apanhou o saco de farinha e uma peneira, e levou as duas coisas para o quartinho em que dormia. Abriu de par em par a janela. A lua cheia cintilava, bem brilhante, e a noite estava quase tão clara quanto o dia.

- Peneirar à luz do luar, hein? - murmurou Tyl. - Pois muito bem, seu unha-de-fome de uma figa. Aí vai!

Segurou a peneira do lado de fora da janela e peneirou a farinha, aos punhados, através dela. Estava fazendo exatamente o que lhe haviam ordenado, não estava? Peneirava a farinha à luz do luar...

Quando, na manhã seguinte, o padeiro abriu a janela de seu próprio quarto, pensou, de início, que havia nevado durante a noite. Mas que bom soco deu nos ouvidos de Tyl ao descobrir o que o velhaco fizera àquela boa farinha de trigo, espalhando-a por toda parte!

Depois disso, as coisas correram tranquilamente durante um certo tempo, até que Tyl começou de novo a ficar com vontade de fazer uma das suas.

Um dia, o padeiro lhe disse que ia a uma festa nupcial4. Tyl estivera esperando que o patrão consentisse que ele fosse também, mas o que recebeu foi uma ordem para ficar e tomar conta da padaria.

- A massa está pronta. Só tens de cozê-la – disse o padeiro.

Tyl, que sabia muito bem o que era necessário fazer, isto é, que devia fazer os pães de costume com aquela massa, perguntou, com ar inocente:

- De que jeito devo cozê-la, patrão?

O patrão, que já estava atrasado e impaciente, respondeu, saindo:

- Podes bem fazer gatos e cachorros!

Tyl , querendo uma oportunidade para se vingar do padeiro que o deixava trabalhando enquanto ia se divertir, resolveu seguir ao pé da letra as instruções dele.

Quando o padeiro voltou, encontrou a padaria cheia de gatos e cachorros! Tyl modelara a massa na forma daqueles animais e assim a levara ao forno.

Bem, o padeiro deu-lhe uma boa surra, declarando que ele teria de pagar pela massa perdida.

Ora, Tyl sabia que estavam em véspera de Natal, ou antes, como dizem lá, de São Nicolau. Pagou o valor da massa ao padeiro, colocou seus gatos e cachorros numa grande cesta e foi vendê-los diante da igreja. As pessoas, dispostas para festa, gostaram tanto dos modelos inesperados que num instante Tyl havia vendido tudo quanto trouxera, e com bom lucro.

Desde então, os padeiros de toda a Holanda modelam os pães no feitio de gatos e cachorros para o dia de São Nicolau. São animais feitos de pão de gengibre, que todos comem com café.


(Extraído do livro Lendas do Mundo Inteiro - Coleção Clássicos da Infância - Círculo do Livro)


1A figura de Tyl Uilenspiegel é popular nas lendas e contos holandeses, uma espécie do nosso Pedro Malasarte.

2 Não existindo imprensa nem rádio, os avisos tinham de ser dados ao povo por meio de arautos que levavam escrita a proclamação e liam-na nos cruzamentos das ruas, depois de terem atraído a atenção do povo com toques de clarim ou batidas de tambor. Os arautos também tinham o dever de proclamar a paz ou a guerra, de levar desafios para combates e portar mensagens de um soberano para outro.

3Maldade.

4De casamento.