terça-feira, 25 de janeiro de 2011

E ainda mais uma...

Lá vem história outra vez...
E essa é uma lenda indígena. Esperamos que vocês gostem...
Semana que vem tem mais!! Acesse o nosso blog e diga o que você achou da história.

O Sol e a Lua

(lenda indígena)


O Sol tinha acabado de passar um pouco de curare 1 em suas flechas e guardava a zarabatana2 bem à mão, pronto para atirar. Não desgrudava os olhos dos galhos das árvores, prestando atenção ao menor movimento das folhas. De repente, ouviu uma gargalhada que o fez voltar-se. Sem perceber, acabara de passar por um garoto que estava sentado ao pé de uma árvore com dois magníficos papagaios.

O Sol se deteve e resolveu descansar um pouco junto deles. Nem viu o tempo passar e, quando se deu conta, o dia já estava acabando. Não conseguia sair de perto dos dois papagaios que tanto o divertiam. Assim propôs ao menino levar os dois papagaios em troca de seu cocar de plumas. O garoto estava muito preocupado com sua aparência, pois acabara de completar dez anos. Agora já poderia pintar o corpo com urucum e jenipapo. Seus cabelos acabavam de ser cortados e, quando crescessem de novo, ele teria o direito de prendê-los ou fazer tranças. Seria um rapazinho... Já tinha as maçãs do rosto pintadas. Imaginava-se entrando na aldeia com aquele cocar de plumas. Aceitou com alegria o oferecimento do Sol e lá se foi, dançando em direção à aldeia.

O Sol também estava com pressa, louco para mostrar ao seu amigo Lua3 os dois papagaios. O amigo ficou maravilhado com a beleza da plumagem dos pássaros e se divertiu muito com as palavras engraçadas que eles diziam. Assim, resolveu adotar um deles. Escolheu o verde de cabeça amarela e o deixou em sua oca, empoleirado num pedaço de pau que enfiou no chão. O sol também fez um poleiro para seu papagaio e o alimentou com grãos e sementes de todo tipo.

Na manhã seguinte, os amigos Lua e Sol foram pescar. Levaram arco e flecha e também arpões, para o caso de encontrarem o pirarucu, que era seu peixe favorito, mas dificílimo de pegar. Ao anoitecer, voltando para casa, estavam muito cansados e não tiveram forças para preparar os peixes que haviam pescado. Deitaram-se nas esteiras e logo dormiram. Os papagaios pareciam tristes por vê-los assim, e naquela noite ficaram em silêncio.

Nos dias que se seguiram, o Sol e seu companheiro Lua não conseguiam entender por que os papagaios estavam tão tristes. Quando os pegavam nas mãos para que se empoleirassem nos dedos, tentando ensiná-los a falar, os pássaros pareciam não mais se divertir.

Mas um dia, ao voltarem da caça, tiveram um dupla surpresa. Primeiro,os papagaios foram ao encontro deles, falando como nunca. Saltitavam de um ombro para outro, como se quisessem cantar e dançar. Dentro da oca, uma surpresa ainda maior os aguardava: junto ao fogo havia duas grandes vasilhas com cassaripe4 fumegante! Quem teria preparado a comida? Eles se sentaram, comeram todo o delicioso pirão e se deitaram. Mas não conseguiam dormir. Que mistério! Os papagaios os olhavam com um ar divertido. Se pudessem falar, será que poderiam contar o que havia acontecido?

No dia seguinte, quando foram caçar, os dois tinham a cabeça cheia de perguntas sem respostas. Enquanto isso, na oca, acontecia uma cena estranha.

Os dois papagaios se transformavam pouco a pouco em duas moças encantadoras, de cabelos longos, pretos e brilhantes como a noite sob a chuva. Quando a metamorfose5 se completou, uma delas se escondeu perto da porta para ver quando os dois amigos voltavam, enquanto a outra preparava a refeição.

- Depressa, não temos muito tempo! Hoje eles disseram que chegariam mais cedo. Temos de acabar antes que voltem. Quando chegam da caça, eles vêm tão cansados!

E que surpresa tiveram os dois mais uma vez! Resolveram que no dia seguinte voltariam mais cedo e entrariam escondido pelos fundos. Dito e feito: deslumbrados com a beleza das duas moças apaixonaram-se por elas e suplicaram que nunca mais se transformassem em papagaios de novo. Fizeram um grande festa para celebrar os casamentos. Mas a casa havia ficado pequena demais para quatro pessoas, e por isso decidiram se revezar para ocupá-la. O Sol e sua mulher escolheram o dia. Lua aceitou a noite. É por isso que nunca vemos o Sol e a Lua ao mesmo tempo no céu.

1Veneno muito forte preparado pelos índios sul-americanos, para envenenar flechas.

2Canudo comprido pelo qual se arremessam, com sopro, setas, bolinhas e outros projéteis.

3Na mitologia dos índios da Amazônia, a lua é frequentemente representada na forma de um rapaz.

4Alimento que se obtém deixando cozinhar e engrossar a água onde se lava a mandioca, temperada com pimenta, e na qual se opõe para cozinhar todo tipo de carne em pedaços, peixes, frutinhas, raízes, insetos e larvas.

5Transformação.


(Lenda indígena extraída de A Amazônia – mitos e lendas. Editora Ática, 1997)