Esta é a história de um camponês
que de tão pobre
estava só pele e osso
um dia, sentado à porta de sua
velha cabana, viu chegar um caçador
montado num cavalo.
O caçador parou,
Apeou do cavalo,
Cumprimentou-o e disse:
— Perdi-me na floresta
e estou procurando o caminho
que leva à cidade de Gondar.
— Gondar fica a dois dias de viagem —
respondeu o camponês. -— O sol já se pôs, seria
mais prudente passar a noite aqui
e prosseguir amanhã de manhã.
O camponês tinha uma galinha tão
magricela quanto ele. Matou-a e a cozinhou
para oferecer um bom jantar ao caçador.
Ofereceu-lhe ainda sua cama.
De manhãzinha, quando o homem despertou, o
camponês explicou a ele como chegar a Gondar:
— Você deve contornar a floresta,
evitar as pedreiras,
afastar-se dos precipícios,
não se perder, seguir a estrada,
tomar um atalho...
me perder novamente.
Não conheço a região. Você não poderia me
acompanhar até Gondar?
É só montar na garupa.
— Está bem — disse o camponês —,
mas sob uma condição:
quando lá chegarmos, você poderia
me apresentar ao rei,
que eu nunca vi em toda minha vida?
— Você o verá,
prometo a você.
Nosso homem fechou a porta da casa,
montou na garupa e lá se foram pela estrada.
viajaram muito, por muito tempo.
Quando avistaram Gondar,
o camponês perguntou ao caçador:
— Como se faz para
reconhecer o rei?
— Não se preocupe. Lembre-se
apenas disto: enquanto todos fazem a mesma coisa
ao mesmo tempo, o rei é o único diferente.
Observe bem as pessoas ao redor
e assim o reconhecerá.
chegaram às imediações do palácio.
Uma multidão se apinhava
diante dos portões.
Todos falavam e comentavam
as notícias do reino.
Quando viram os dois homens a cavalo,
afastaram-se do portão.
e se ajoelharam.
O camponês não entendeu nada.
Todos se ajoelharam, menos ele e o caçador, que
estavam a cavalo.
— Onde pode estar o rei? — perguntou o
Camponês. — Não o vejo.
— Vamos entrar no palácio e
lá você o verá — assegurou o caçador.
E os dois homens entraram
a cavalo no palácio.
O camponês estava preocupado.
Ao longe, viu uma fileira de guardas montados,
que os esperavam na entrada.
Os guardas desceram dos cavalos.
Ficaram todos a pé. Apenas ele
e o caçador continuaram a cavalo.
O camponês irritou-se:
— Você me disse: quando todo mundo
fizer a mesma coisa...
Onde está o rei?
Você vai reconhecê-lo,
lembre-se apenas disto:
enquanto todos fizerem a mesma coisa
ao mesmo tempo, o rei fará diferente.
O camponês ficou mais perplexo do que nunca.
— Quem pode ser o rei?
Ainda não consigo vê-lo.
Os dois homens apearam também.
Entraram numa sala imensa do palácio.
Todos os nobres, cortesãos e conselheiros
tiraram o chapéu
quando os viram. Ficaram todos
de cabeça descoberta, exceto o caçador
e o camponês, que não sabia por que usavam chapéu
ali dentro do palácio.
O camponês se aproximou do caçador
e murmurou:
— Não estou vendo o rei.
— Não seja impaciente.
Quando todo mundo faz
a mesma coisa ao mesmo tempo,
o rei é diferente.
Logo você acabará por
reconhecê-lo.
Venha se sentar.
Os dois homens se instalaram
num sofá confortável.
Todos ficaram de pé
em volta deles.
O camponês não parava quieto.
Olhou ao redor, aproximou-se
do caçador e perguntou:
É você ou
sou eu?
O caçador soltou uma gargalhada e disse:
— Você tem razão,
eu sou o rei.
Mas você também
é um rei,
Pois soube acolher um estranho.
Como esta história,
A amizade deles durou muito tempo,
Uma amizade real.
E eis aqui o final.
Tchau!
(extraído de O príncipe corajoso e outras histórias da Etiópia, Praline Gay-Para, São Paulo, Comboio de corda, 2007.)
Gondar: antiga capital do império da Etiópia, situada a nordeste do lago Tana. Foi ocupada pelos italianos entre meados de 1930 até 1941, ano em que os britânicos a bombardearam. A cidade abriga ruínas do período imperial, bem como vestígios de arquitetura fascista.
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